Sobre o papel da arquitetura nas relações sociais, Denise Scott Brown disse uma vez: “a arquitetura não deve forçar as pessoas a se conectarem; ela pode apenas definir espaços, eliminar barreiras e fazer dos locais de encontro mais úteis e atraentes.” Embora não possamos controlar o resultado ou a maneira como as pessoas irão se apropriar dos espaços que projetamos, a arquitetura tem o potencial de abrir portas e aproximar pessoas, preparando o terreno para que encontros casuais e interações sociais aconteçam — fortalecendo assim o sentido de pertencimento e identidade que tanto influenciam a estrutura de nossa sociedade. A seguir, procuramos expor — através de exemplos concretos — formas como a arquitetura pode potencializar interações sociais através de estratégias e soluções projetuais inteligentes, proporcionando um terreno comum capaz de aproximar pessoas e construir comunidades.
“Capital social” refere-se às relações estabelecidas entre diferentes grupos em sociedades heterogêneas, por meio de valores compartilhados, confiança e reciprocidade. Capital social substancial significa uma maior cooperação entre os cidadãos, menos conflitos e a conscientização à respeito do território comum e espaços partilhados. A arquitetura é uma das principais ferramentas de estímulo ao capital social e existem várias estratégias projetuais através das quais os arquitetos e arquitetas podem promover o uso compartilhado do espaço e a interação social em uma comunidade. São várias as razões pelas quais projetos que incentivem a este tipo de comportamento entre as pessoas estão se tornando cada dia mais importantes em nossa sociedade: solidariedade, justiça social e bem-estar físico e mental são alguns dos benefícios de viver em uma comunidade forte e engajada. Com o intuito de reconhecer o potencial da arquitetura como um instrumento capaz de construir comunidades, convidamos nossos leitores a refletirem sobre uma série de ideias e conceitos que podem ser muito úteis ao projetar espaços e edifício que possam promover a interação social entre as pessoas.
Programando a intensidade das relações sociais
Em muitos casos, o potencial da arquitetura em aproximar pessoas tem mais a ver com o seu programa do que com a forma de seus edifícios e espaços. Isso significa dizer que a arquitetura opera apenas como um pano de fundo e portanto, é a maneira como as pessoas se apropriam do espaço que fazem dela um motor de interação social. Um exemplo disso é o Centro Comunitário Absalon na cidade de Copenhague, uma antiga igreja transformada em espaço público pelas mãos dos arquitetos da ArchencY. Ao atribuir um programa flexível ao edifício que um dia foi uma igreja, seu espaço é tomado por uma infinidade de diferentes atividades ao longo de um único dia, desde aulas de ioga a pingue-pongue, exibição de filmes, teatro, eventos musicais, ao mesmo tempo que serve de café e refeitório. Sentar à mesa com quase 200 de seus vizinhos — pessoas completamente diferentes — é, sem dúvida, uma forma de aproximar pessoas.
Desafiando as expectativas
O que poderia poderia ser melhor para provocar a imaginação das pessoas e criar um caminho para o diálogo e a interação entre elas? Com um briefing que exigia nada mais nada menos do que o projeto de um edifício que aproximasse as pessoas e promovesse qualidade de vida, o MVRDV e o ADEPT desenvolveram uma nova tipologia de edifício centrada no movimento. A Casa Ku.Be da Cultura em Movimento é um edifício concebido para acomodar um teatro, espaços esportivos e educativos ao longo de um percurso integrado, onde os usos e atividades vão se sobrepondo de forma a criar um ambiente único e vibrante. A arquitetura do edifício foi concebida de forma a criam um espaço fecundo para interação social, estimulando encontros e diálogos entre os usuários e visitantes.
Projetando o território comum
Espaços concebidos para promover a interação social entre diferentes grupos e pessoas vão além de centros comunitários e praças públicas. Projetos habitacionais inter-geracionais estão começando a despontar como uma importante alternativa aos edifícios residências mais tradicionais, criando espaços coletivos onde pessoas de diferentes idades vivem juntas, compartilhando suas experiências e perspectivas de mundo. Esta abordagem apresenta uma série de benefícios tanto para os jovens quanto para os idosos: enquanto os mais velhos passam a ter companhia, fica mais fácil para as novas gerações terem acesso à moradia. A aproximação entre pessoas de diferentes gerações promove o respeito e a compressão entre elas, contribuindo substancialmente para reduzir a distância entre os diferentes grupos sociais. Diversos programas-piloto de habitação para jovens e idosos foram desenvolvidos na Finlândia e na Suécia, e outros vários novos projetos de habitação social inter-geracional, como o zwei + plus Intergenerational Housing em Viena, Áustria, também adotaram a ideia.
Reinventando edifícios e espaços cívicos existentes
Em entrevista com Vladimir Belogolovsky, Jeanne Gang —sócia e fundadora do Studio Gang — explicou por que ela vê a figura do arquiteto como um construtor de relacionamentos: “Eu penso na arquitetura como um sistema; um conjunto de elementos capazes de criar oportunidades para que as pessoas se conectem e se relacionem umas com as outras. Como podemos dar engendrar ocasiões para que elas interajam? Como os edifícios podem convidar as pessoas a se relacionarem?” Pensando nisso, o Studio Gang desenvolveu um projeto de pesquisa chamado “Reimagining The Civic Commons”, onde eles propõe uma série de estratégias projetuais para promover a interação social em edifícios e espaços públicos existentes, criando assim comunidades mais resilientes. As propostas vão desde a ampliação das áreas de estar e socialização em bibliotecas públicas, passando pela adaptação de topografias mais diversificadas e orientadas aos usuários em parques e áreas verdes até a construção de estruturas mais convidativas junto à delegacias de polícia para que permitam uma interação mais positiva, gerando mais confiança nas pessoas. A pesquisa é parte de um esforço maior levado à cabo para repensar as estruturas cívicas em cidades dos EUA, promovendo o engajamento, a equidade e o desenvolvimento sócio-econômico. A iniciativa é um ótimo exemplo de como a arquitetura pode nos oferecer soluções práticas e rápidas para fortalecer o senso de comunidade e identidade local ao mesmo tempo que oferece respostas à questões sociais específicas.
Abrindo espaço para a casualidade
Como muitos arquitetos já disseram, a arquitetura também deve deixar espaço para o acaso, para a casualidade e encontros espontâneos. O Herstedlund Community Centre, concebido pelo Dorte Mandrup Arkitekter, é um centro comunitário multifuncional instalado em um bairro construído do zero na cidade de Albertslund, Dinamarca. O edifício incorpora uma série de espaços não programados, ao mesmo tempo que prioriza a interconexão entre as suas diferentes funções e usos. Desta forma, o projeto permite que pessoas de todas as idades e com interesses diversos utilizem o edifício simultaneamente, enquanto propõe soluções muito práticas para que os usuários reorganizem os espaços de acordo com suas necessidades.
As questões relativas ao domínio público na arquitetura são inúmeras assim como são os problemas e dificuldades a serem resolvidos quando se trata de projetar espaços capazes de engajar pessoas e construir comunidades. Ao propor edifícios comunicativos e que estimulem encontros e interações sociais, arquitetos e arquitetas podem assumir uma posição mais ativa no estabelecimento de um território comum para o diálogo, a compreensão e o respeito mútuo entre as pessoas.
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